Construtoras voltam à origem com financiamento direto - QUALIT

Pressionadas pela retração do crédito habitacional, construtoras estão reforçando o crédito direto ao comprador, prática que desde o início da década vinha cedendo espaço aos empréstimos intermediados por bancos. PDG e Eztec passaram recentemente a oferecer a opção, também disponível para empreendimentos da Even e da Trisul. Num cenário francamente desfavorável, de juros nas alturas e inflação ascendente, algumas empresas preferem absorver custos — como o de praticar juros abaixo da média de mercado — para não correr o risco de engordar seus estoques.

A Eztec, por exemplo, iniciou em 9 de junho uma campanha de financiamento direto que, inicialmente, iria até hoje, mas foi prorrogada. O prazo máximo estabelecido para esta linha de crédito é de 150 meses, com juros de 9,99% ao ano incidentes sobre as parcelas a partir da assinatura do contrato. “Para as empresas, absorver determinados custos é melhor do que tomar financiamento. Muitas delas não conseguem nem tomar dinheiro”, diz Nelson de Sousa, professor de Finanças do Ibmec/RJ, referindo-se à alavancagem financeira de parte das construtoras brasileiras.

Analista da Concórdia Corretora, Daniela Martins lembra que embora algumas companhias do segmento tenham optado por postergar lançamentos em 2015, ainda há uma série de empreendimentos de anos anteriores a serem entregues, o que contribuiria para ampliar os estoques imobiliários num momento difícil em termos macroeconômicos. “Há muito estoque e uma demanda decrescente. A situação só deve se normalizar em meados do próximo ano ou em 2017”, projeta a analista.

Depois de recorrer a “feirões” num esforço para reduzir seus estoques, a PDG aderiu ao financiamento direto, uma das vantagens oferecidas como parte de uma campanha com duração de 30 dias que inclui ainda descontos e garantia de recompra para alguns imóveis. A Even informou por meio de sua assessoria de imprensa que já oferecia anteriormente a possibilidade de financiamento direto ao consumidor, embora esta alternativa não seja o carro-chefe da companhia. Além dessa modalidade de financiamento, a Trisul também está oferecendo juros menos que a média do mercado, conta Rogério Santos, diretor da RealtON, empresa que atua na venda de estoques das incorporadoras. “Estamos vivendo um back to basics (de volta ao básico)”, diz Santos. “O mercado está voltando às práticas de dez anos atrás, um período anterior à abertura de capital das construtoras brasileiras.”

Antes da explosão de crédito imobiliário que alimentou a expansão das vendas no fim da década passada e no início dos anos 2010, a oferta de linhas de financiamento direto pelas empresas era prática corrente. “Agora, estamos pagando a conta do crédito farto dos últimos três, quatro anos”, acrescenta o diretor da RealtON.

O esforço das construtoras no sentido de financiar seus próprios clientes não é visto como um risco exagerado por Nelson Sousa, do Ibmec/RJ. Isso porque a mecânica financeira por detrás desses empréstimos diretos está longe de ser novidade. Ao concederem um financiamento, as companhias lastreiam a operação emitindo recebíveis. As carteiras de recebíveis são, então, negociadas com instituições financeiras que — por sua vez — emitem LCIs (Letras de Crédito Imobiliário). Esse tipo de papel é geralmente adquirido por pessoas físicas, já que este tipo de investidor conta com isenção tributária para compra do título. “Com a escassez do crédito direto dos bancos, as companhias assumiram o ônus de fazer o financiamento”, avalia o especialista em finanças. “Se o imóvel não for pago, é retomado pelo banco. O risco que existe é o de não ter para quem vender o imóvel retomado.”

Na prática, o arsenal das incorporadoras para atrair novos clientes não se restringe apenas ao financiamento direto e aos juros subsidiados. A Rossi, por exemplo, anuncia em seu site mensais fixas, recompra garantida e prazo estendido. Já a Gafisa pôs na rua campanha que inclui seguro contra desemprego, parcelas fixas e sem correção durante as obras e até seguro desemprego. “O mercado está tentando entender os mecanismos de venda que podem ser mais eficientes na situação atual”, resume Santos, da RealtON. “No caso do financiamento direto, não se trata de um tiro no escuro: é algo que já foi usado lá atrás.”

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